terça-feira, 29 de setembro de 2009

Minhas músicas - "Violência Não"

VIOLÊNCIA NÃO

Só porque você nunca teve família ou lar
E o teu jeito de comer sempre foi o lixo revirar
Só porque a tua mãe morreu com a faca de um cafetão
E o pai, que você nunca conheceu, queimado na prisão
Só porque você tanto apanha
Te xingam, chutam, choque dão
Só porque te abusam dez ou quinze na instituição
Nada disso justifica
A lei taí pra se cumprir
Com violência num estado de direito não adianta vir

Apenas porque te olham torto pela tua cor
E, como não tem onde tomar banho, pelo teu fedor
Nas vitrines um mundo colorido acenando tchau
E, sem escola, não raro cheirar cola foi o teu mingau
Não, isso não justifica
Nem vem com essa de ser mau
Num estado de direito vale a ordem constitucional
Passe fome mas não roube
No alto inverno fique frio
Agradeça pela sorte que te coube e ame o Brasil

Um viva expresso à ordem e ao progresso
Um viva aqui eu peço ao congresso, voz do cidadão
E, sendo a lei quem guia esta democracia
Este é um estado garantia, então não vem com violência, não

Somente porque os teus irmãos a operação matou
E você mesmo por pouco de chacinas várias escapou
E, se diz que há todo um sistema que assim faz ser
Tampouco é motivo pra esse ódio ou pra não se conter
Não, o crime não compensa
Parado aí! Pega ladrão!
Num estado de direito sobre a lei não tem nem discussão
Sorria, pois Jesus te ama!
Camisinha sempre! Drogas não!
Da fé mantenha a chama e vá com deus sempre no coração

A Cristo eu louvo em nome deste povo
Todo dia é um dia novo e o país te pede apenas paz
De céu azul anil, pra frente vai, Brasil
Na tua pátria mãe gentil violência nunca mais

Gugu Keller

sábado, 26 de setembro de 2009

Tudo Bem

Minha amiga...
Está tudo bem. Estou apenas morrendo, sabe? É. E já era esperado, entende? Afinal, como todos, vim apenas de passagem, não é mesmo? Sim. Tudo calmo, tudo certo, tudo azul. É só o fim que desde o início era previsto. É só a mesma velha falta de sentido. E já logo dos meus cinco ou seis sentidos. É só isso tudo, amiga. Isso nada. É isso só.
E, olha, fique calma, viu? Estou apenas me afogando, indo, indo... É bom, sabe? Afinal, de que me serve esse ar aí imundo? De quê? Respirar ainda isso? Não. E aqui debaixo d´água até que é bom. Ao menos, menos mau. É. Turvo.
Estou só perdendo o passo, a pressa, as pernas... O compasso... É, parei. Mas não, não se preocupe. Eu nem ia mesmo a parte alguma. É. Sim, não, nunca fui. Era tudo meio que em círculos, você sabe... Círculos. Círculos, um circo e eu palhaço. E, sim, parado agora está melhor.
Estou indo então, viu? É. É só a terra, a areia me cobrindo. Muito, muito mais aconchegante, muito mesmo! Cansei de lutar, sabe? A gente luta, luta e luta, luta e luta. E o adversário é sempre a gente mesmo. Ou seja, loucura, sempre que ganha, também perde. Mas quase sempre empata. É. E procura, e procura, e procura, e não acha nada. Ou, se acha, quando acha, nem era nada. Não, nada. É. Nem sequer valia a procura. Exaustão.
Minha guria...
É bom ainda ter a tua mão. É. Mas não, por favor, não me segure. É, eu vou, preciso mesmo ir. Mesmo parado, acho que sempre estive indo. E, agora, vendo mesmo não haver onde chegar, cheguei. O quê? Isto? Isto aqui não é nada, viu? É. É só uma faca fincada no meu peito. É, do lado esquerdo, como você vê. Mas não, não é nada mesmo. O sangue vai. O sangue foi. E já nem é tão ruim sem ter mais sangue. A vida toda eu sangrei. Ah, amiga! Eu tenho, sempre tive tanto sangue. Tanto o que sangrar. Não fica desse jeito triste assim. Não. Eu cumpri já o meu nada, sim, cumpri. Nada. O meu nada de nada do nada ao nada. O meu tudo. Meu tudo nada repleto de vazio. O meu vazio tão lotado de ausência. "Vrum"! É. Volatizou-se ao mesmo tempo em que explodiu. Implodiu. Lá vou! Vou indo! Ah, amiga! Diz-me só que fica bem. Fica, sim? Meu deus ateu me haverá de perdoar... Compreender... Proteger-me para sempre do que eu quero...!
Prenda minha...
Sim, é, tudo bem! Não dói deixar de ser se não se foi. Não. E fique calma mesmo, viu? Sim! Por favor, eu te peço, por favor! É só o vento me levando, virei pó. "Pof"! Desmanchando, desfazendo, desprendendo... Queda, queda livre, não há chão. Nunca houve, eu nunca soube, não pisei. É, não, não há o chão. Há os vãos. Os vãos por onde espio entre as grades. Por onde sempre tanto eu tudo espiei. É, espiei. Espiar, expiar, espiar, expiar, espiar, expiar... Espio-te. Expio-me. Ah, minha doce guria! É, está mesmo tudo bem. É só o fogo me queimando, você sabe... É. O meu corpo. Corpo? Logo já não serei corpo, nunca fui. Fui fel, teu fã e fui frio. É, frio. Brasa, fumaça, fuligem, frio... Sangrei tudo. Já vou, amiga. É, vou. Termina aqui o que nunca começou. Começa aqui o que jamais vai terminar. Nada. Tempo. Nada, tudo, tempo, nada. Te vejo nunca mais daqui a pouco. E, olha... Esqueça para sempre de que eu te amo. Esqueça. Para sempre nunca se lembre, tá? Não tenha saudade do que nunca houve. Não, não tenha! E está mesmo tudo bem! Estou apenas, como disse, aqui morrendo. Como todos, como tudo, como um dia também ti. Mas como é bom... Como é bom, amiga, ainda um pouco olhar dentro dos teus olhos...

Gugu Keller

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Prostitutas

Perto do meu trabalho, no centro da cidade, muitas garotas, algumas já não tão garotas, diariamente e à plena luz do dia, praticam a prostituição. Muitas delas, inclusive, com sua quase típica indumentária, freqüentam o mesmo restaurante de comida "por quilo" onde eu costumo almoçar. Hoje, prestando em algumas delas um pouco de atenção, pus-me a pensar... Por que será que as prostitutas carregam contra si esse tão pesado estigma que faz da sua profissão, ao que consta a mais antiga de todas, a pior qualidade que alguém, ou, sobretudo, a mãe de alguém, pode ter? Em outras palavras, por que será que o pior insulto que, ao menos entre nós, alguém pode receber, ou a pior situação em que alguém eventualmente pode se ver é a de ser um "filho da puta"? Afinal, que mal fazem essas pessoas, em regra extremamente sofridas, a quem quer que seja? O que fazem de tão errado para sofrerem tamanha rejeição? Não roubam, não machucam, não iludem, não enganam ninguém. Imagino, afinal, que seus clientes, e que disso ninguém vai discordar, sabem exatamente o que fazem quando as procuram, não é mesmo? Ou seja, não há na atividade nenhum tipo de golpe ou de engodo contra quem quer que seja. Muito ao contrário, é um contrato claro, cristalino, de interesse claro de ambas as partes, não acham? E, curiosamente, algumas pessoas ainda as chamam de desonestas...! Muito mais desonestas, ao menos para mim são as moças que se auto-intitulam "de família", termo que, diga-se de passagem, é, no mínimo, de nos ofender a inteligência, e que engravidam propositadamente para "fisgar" um bom partido, no chamado "golpe da barriga"! O que acham os amigos? Hum? Se querem saber, eu já conheci algumas...!
Mas o que quero mesmo dizer, pois foi nisso que pensei quando fiquei a observar hoje as tais garotas, é que eu, absolutamente, não me importaria em ser um filho da puta se a minha mãe tivesse tido que se prostituir para me sustentar, sobretudo num país como o nosso, com tanta injustiça, tanta desigualdade, tanto desemprego, tanto sub-emprego, tanta falta de perspectivas, tanta carência educacional, tantos salários de fome, tanta escravidão disfarçada, tanta hipocrisia social e institucional e por aí vai... Pelo menos, se fosse o caso, minha mãe teria arrumado uma maneira de sobreviver e de me sustentar sem roubar ninguém, sem enganar e, acima de tudo, sem mentir. E querem saber do que mais? Ela teria até, como fazem essas moças que eu hoje observava na hora do almoço, cumprido com um papel social bastante relevante, pois eu acredito, quem quiser, é claro, pode discordar, que elas, as prostitutas, constituem um importante esteio psicológico para muitas pessoas solitárias e angustiadas, sobretudo nas grandes cidades por aí afora. Muito possivelmente, chego a crer, uma grande quantidade de crimes sexuais deixam de acontecer pelo fato delas existirem. Já pensaram nisso os amigos? Sexo é necessidade, ou será que estou falando besteira? O que fariam as pessoas que não têm com quem fazer sexo se não existisse a prostituição? Não, eu não me importaria em ser um filho da puta se minha mãe tivesse tido essa como única opção! Ao contrário, eu me orgulharia de sua coragem e dignidade!
Por outro lado, eu me envergonharia, isso sim, se eu fosse filho de alguma autoridade fiscal ou policial envolvida com extorsão, ou de algum político corrupto que faz propaganda na televisão mostrando suas belas obras pela saúde pública ao mesmo tempo em que os jornais mostram o povo morrendo nas filas ou à espera de uma ambulância, ou de alguma outra autoridade qualquer que adora falar em princípios democráticos mas que é conivente com a falta de contrapartida aos tantos impostos que neste país se pega, ou com a tortura generalizada nas febens e prisões da vida, e por aí vai... Tipo de gente rara no nosso país, não é mesmo? Nossa! Digo-o com convicção, meus amigos! Como eu preferiria ser um filho da puta a ser filho de alguma figura dessas...!
E é engraçado, né? As prostitutas, que não fazem mal a ninguém, é que são a escória, o lixo humano, a degradação, o pior dos xingamentos, ao passo que essas outras pessoas a que me referi, para mim a verdadeira escória, caminham sobre tapetes vermelhos com pompa e circunstância, são não raro chamados por "excelência" e cercados por sorrisos, apertos de mão e tapinhas nas costas...! Vai entender...!
Será que eu devo escrever aqui que a maior parte das pessoas que encontram na prostituição a única maneira de sobreviver sem caírem no mundo do crime vivem essa situação justamente em conseqüência do modo de agir destes outros a que me referi, os "excelências" da vida? Acho que não, né? Diferentemente daquelas pessoas que, como citei, utilizam expressões como "de família", não quero insultar a inteligência do meu tão bem-vindo leitor dizendo algo tão óbvio...!
Resta-me então, para concluir, registrar meus sinceros parabéns a todos os que, através dos nossos cinco séculos e pouco de história, de algum modo contribuíram para construir esta nossa tão sólida moral. Esta nossa sólida, hipócrita, míope, disforme, invertida, mentirosa e absurda moral. Uma moral que condena as vítimas e felicita os malfeitores. Parabéns! Parabéns mesmo!
Mas, como não custa sonhar, quem sabe um dia, daqui a muito, mas muito tempo, um motorista de caminhão que leve uma fechada de algum "barbeiro", ao invés de pôr a cabeça para fora da janela e gritar "filho da puta", grite assim... "Ô, seu filho de um corrupto"!

Gugu Keller

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Minhas músicas - "O Sétimo Selo"

Como para muita gente, foi para mim uma experiência devastadora assistir "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman, famoso clássico em que o personagem principal joga xadrez contra a morte. Refletindo a respeito, veio-me a seguir a insuportável idéia de que contra ela, a morte, seja xadrez ou qualquer outro o jogo, a derrota é certa, inevitável. É meio como se a morte jogasse sem rei... Será, pensei então, adiá-la ao máximo uma vitória? Ou, já que, quando o jogo é longo, chegamos ao final exaustos e ainda assim sempre perdemos, justamente o contrário? Seria, talvez, derrubarmos logo o nosso rei uma forma, a única, de, de algum modo, passar-lhe a perna?
Logo após, impressionado ainda e sempre, compus esta canção a que dei o mesmo nome. Ficou muito para mim a idéia de um "bem-vindo atalho para onde eu nem queria ir", por estranho que isso soe...

O SÉTIMO SELO

A vida é um grande vazio
Um nada do nada ao nada
É vácuo, rotina e frio
Deserto de madrugada
A morte é um dia de sol
À sombra do viaduto
O sexo, isca e anzol
À lua reluz o luto

A vida é um estranho lugar
Líqüido labirinto
É selva, cilada e mar
O estômago do faminto
A morte, piscina de cal
A rima seguiu seu rumo
Lágrima, água e sal
Berço, caminho e túmulo

Por isso eu peço a deus, que eu nem creio que exista
Ateu, peço a deus só uma pista
Cadê? Qual a melhor rota de fuga?
Só peço a deus saúde e morte súbita

Um beijo é a bomba no chão
A vida a um alto custo
Um tiro no peito é perdão
E a morte, o preço justo
O amor é a beira do caos
É dor, calor e desastre
O sexo, Joelma e Andraus
Ereção e umidade

A vida é a conta da lápide
Subtração exata
O tempo é o elo de engate
E a morte, uma grande sacada
O sexo é um doce veneno
O amor, conversa fiada
Um grito responde ao silêncio
A vida é um tapa na cara

Por isso eu peço a deus, que eu nem creio que me escute
Ateu, sem ter nada que me mude
Quem sou? Aonde vou nesta carona?
Livrai-me, deus, desta vida morte agônica

GUGU KELLER

sábado, 5 de setembro de 2009

Minhas músicas - "Ao Rei Leão"

AO REI LEÃO

Pelos cavalos suados, ao sol no arado, com fome, magros
Pelas feridas e chagas em seus cascos
Pelas carroças de carga, a longa estrada, chicote e fardo
Pelo ferro em brasa que marca o gado
Pelos cães que reviram o lixo enquanto tremem de frio
Seus corpos fracos e parcos, um faro sem rastro a vagar no vazio

Perdão, rei leão
Perdão, rei leão

Pelas jaulas do circo, o fogo no círculo, picadeiro
Pelos shows de tortura nos rodeios
Pelas capas e espadas dos grandes e bravos heróis toureiros
Pelas festas de peão de boiadeiro
Pelas reses que, rumo ao abate, embarcam no trem
Como Jesus a caminho da cruz, cupim, alcatra e acém

Perdão, rei leão
Majestade, perdão

O homem é o grande mal
É vil, cruel, bestial
Barbariza, humilha, extermina por recreio
Ou, pior ainda, por dinheiro

Pelos casacos de pele, acessórios de couro, cintos, bolsas
Pelas miras a laser, alvo e mosca
Pelo tiro ao pombo, esporte de morte, caça à raposa
Armadilhas covardes e redes soltas
Pelos pássaros presos a cantar indefesos, solidão
Gorjeios de prisioneiros, golpes certeiros no meu coração

Perdão, rei leão
Majestade, perdão

GUGU KELLER